sexta-feira, 29/março/2024
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Os custos das perdas ambientais

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Durante muito tempo a preocupação com a natureza foi exclusividade de naturalistas. Hoje não. O tema está nos jornais, nas salas de aula, nas conversas informais e nas decisões econômicas no Brasil e no mundo. O interesse das pessoas aumenta e isto faz a roda girar: mais notícias, mais interesse; mais interesse, mais notícias. Assim é que encontramos com relativa facilidade artigos de jornal que relatam os custos das perdas ambientais. Recentemente, por exemplo, a Folha de São Paulo publicou um interessante e inusitado artigo, com o título "Reflorestar Minas custaria menos do dobro do que a Odebrecht levou" (16/04/2017 – Marcelo Leite – Colunistas – FSP).

Deixando de lado a polêmica que o autor do artigo intencionou criar, o fato é que o mundo mudou. Os aportes científicos, os avanços no conceito de sustentabilidade e os acordos internacionais promoveram um cenário de maior comprometimento com a conservação. Embora nosso modelo planetário de desenvolvimento ainda continue fortemente dependente de combustíveis fósseis e outros recursos naturais finitos, cada vez mais os impactos ambientais são entendidos como prejuízos que devem ser precificados.

No início dos anos 90 a comunidade científica internacional começou a propor métodos de valoração dos serviços ambientais e do capital natural, baseados na integração de conceitos ecológicos e econômicos. Indicadores de qualidade ambiental passaram a fazer parte do cálculo para as tomadas de decisão. Foi neste campo da ciência que os pesquisadores mineiros estimaram os custos da recuperação das suas florestas, reportados pelo colunista da Folha de São Paulo. Na mesma linha, o custo financeiro das metas de clima estabelecidas pela ONU já foi avaliado. Também o conjunto de bens e serviços ambientais no planeta teve seu valor calculado, em um artigo publicado na Nature, Constanza e colaboradores, utilizaram 17 desses indicadores para um cálculo que estima um valor, subestimado, de até 33 trilhões de dólares por ano. Mas apesar de todo este avanço, ainda não somos capazes de estimar os valores monetários reais para a multiplicidade de funções ambientais, e isto, de certa forma, influencia a tomada de decisões acerca de políticas protetivas.

Um exemplo didático é o caso da polinização. Já se estimou em US$ 117 bilhões de dólares por ano o valor deste serviço ambiental no mundo, considerando as áreas de terras cultivadas e pastagens. Áreas naturais não entraram no estudo, provavelmente dada a complexidade das condições ecológicas. Mas o problema maior é que o percentual de lucro do agronegócio mundial, conseguido graças ao sucesso da polinização, também ficou fora do cálculo. Embora dependente direto deste processo, o setor agrícola – e muitos cientistas da área econômica – simplesmente o subestimam.

Existem, portanto, dificuldades técnicas e políticas para que se faça uma estimativa monetária real para os serviços ambientais. Claro que dar um valor monetário pode ajudar na tomada de decisões, mas nos perguntamos: será mesmo necessário saber tal valor para que nos convençamos da necessidade do uso sustentável dos recursos? O mercado de carbono, por exemplo, com cotação nas maiores bolsas de valores do mundo, está longe de ser conhecido pela maioria dos cidadãos comuns e tem servido fortemente de estratégia

financeira compensatória para ações insustentáveis de multinacionais sem responsabilidade ambiental.

Pensando nas gerações que vêm depois de nós, parece mais importante imaginar o que seria viver sem os recursos e serviços da natureza do que ficar tentando definir seus valores monetários. Como seria o mundo sem os microrganismos que mantém a regulação do solo, rios, lagos e oceanos, e viabilizam os ciclos dos nutrientes fundamentais para a vida? E sem florestas e campos, ou sem o equilíbrio dos gases atmosféricos? O que seria de nós sem a maioria das espécies de plantas e animais que de maneira direta ou indireta nos fornecem alimento, fibras, remédios, lazer, registram nossa história, nossa cultura, nosso passado e nosso futuro? Com tanta gente achando que tudo tem preço e pode ser comprado, talvez esteja na hora de valorar menos e valorizar mais. Pelo menos cometeríamos menos erros.

Flávia Nogueira é docente do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso e Luis Gabriel Nunes é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade (PPG-ECB), do IB/UFMT

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