sexta-feira, 19/abril/2024
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Consciência e liberdade

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O termo empoderamento tem sido amplamente discutido e utilizado para explicitar diversas formas de intervenção e/ou organização de grupos da sociedade civil. Entendemos empoderamento como estratégias de organização da sociedade civil menos favorecida de informação e serviços. Porém, não é uma forma de organização simplista, pois envolve diferentes tipos de instituições como o Estado, o mercado e a própria sociedade com suas instituições internas. De acordo com a equipe da Embrapa Pantanal “não há ação empoderante neutra”. Ela sempre tem um ponto de partida que é discutir as relações de poder. É trabalhar a faculdade crítica (consciência), a autoconfiança dos sujeitos em grupo, para que estes se tornem agentes da sociedade e passem a exercer sua condição plena de cidadania, bem como interferir nas relações com o Estado e com o mercado, criando novas demandas inclusivas de relações onde antes estes grupos eram excluídos.
Ao longo de nossos estudos observamos que há dois grandes tipos de intervenção em comunidades. Uma chamada tutorial e a outra denominada educacional/participativa¹, a qual estão atreladas diretamente à constituição da autoconfiança e na superação da cultura do silêncio pregada por Paulo Freire. Na cultura do silêncio os indivíduos dependentes ou dominados acham-se semimudos ou mudos, ou seja, proibidos de participarem criativamente na transformação da sociedade e, por conseguinte, proibidos de ser. Ela é o resultado das relações estruturais de dependência e que acarreta em uma forma especial de consciência denominada de semi-intransitiva. Para Freire, neste nível de quase imersão, os indivíduos não compreendem a razão de ser dos próprios fatos. Assim, a explicação para os problemas se encontra sempre fora da realidade. Neste contexto, uma forma de romper com formas antigas de relação de dependência é conhecida como conscientização.
Na abordagem participativa, o agente externo (interventor) assume um papel educativo que visa identificar grupos com interesses comuns, orientar a comunidade na identificação dos problemas e promover a organização inicial do grupo que, por conseguinte tem um papel totalmente ativo, diagnosticando e estabelecendo meios para solucionar os problemas bem como suas causas.

Ela é chamada de educacional, pois possibilita um processo de aprendizagem tanto para o agente externo quanto para o grupo. A abordagem utiliza diferentes métodos para estimular a autoconfiança e desenvolver a faculdade crítica, ou que Paulo Freire chama de “percepção estrutural”. Este tipo de abordagem tem seu diferencial na forma como são conduzidos os processos de intervenção. A atitude do interventor em relação ao grupo passa a ser desafiadora para o mesmo, já que não terá uma postura tutorial pré-estabelecida.
De acordo com quem origina o processo de intervenção e planejamento, estabelece seus objetivos, define suas prioridades e finalmente, executa todos os passos é que podemos definir se este processo foi participativo ou não e se contribuirá de fato para modificar as relações de poder.
Dentro desta concepção de abordagem educacional/participativa, temos a experiência do Reflect-ação que é uma nova abordagem que trabalha a alfabetização de adultos onde, de forma inovadora, reúne as concepções Freireanas de educação e alfabetização com as ferramentas do Diagnóstico Rural Participativo (DRP) de Chambers.
No programa “Reflect” não são utilizados livros didáticos e nem livros de leitura para a alfabetização, a não ser os manuais para os facilitadores da alfabetização. Cada círculo desenvolverá seu material didático através das técnicas de DRP, o que torna mais motivador a iniciativa de aprender a ler palavras e o mundo e aprender a escrita principalmente de suas vidas. As pessoas se sentem proprietárias e sujeitos da realidade diagnosticada o que leva a uma reflexão maior da práxis² adotada no dia a dia.
Ao desenvolver uma “pedagogia do oprimido”, Paulo Freire provou que a forma de perceber o mundo que os leva a opressão não se dá de maneira fechada sem saída e sim como uma situação limitante que impõe desafios como a capacidade de transformar essa realidade; a isto denominou “conscientização”. Para que isso de fato aconteça, o processo de comunicação entre professor e alunos torna-se fundamental, a necessidade de diálogo é constante para poder preconizar a síntese entre o saber maximizado do professor e o saber do formando.
Esta inovação pedagógica de abordagem compõe a raiz da abordagem “Reflect”. A utilização desta abordagem permite que possamos analisar não só do ponto de vista de práticas pedagógicas em comunidades marginalizadas como também atividades de empoderamento e desenvolvimento.

___________________
¹ Para abordarmos tal assunto trazemos contribuição de alguns clássicos como Alencar que faz uma análise sobre a teoria do “counterdevelopment” de Galtung. Esta teoria “considera que a superação desses mecanismos (opressão) ocorrerá quando os segmentos social e economicamente marginalizados forem capazes de exercer influêcias no processo de desenvolvimento. Assim, participação é considerada como um processo de aquisição de poder” (Alencar, 1990). ALENCAR, E. Intervenção tutorial ou participativa: dois enfoques da extensão rural. Cadernos de Administração Rural, Lavras, 2(1): 23-24, jan./jun. 1990.

² Práxis não significa prática. A prática é o conjunto de ações que desempenhamos na vida e a práxis é o processo através do qual desenvolvemos nossa consciência e por conseqüência nossa relação com a prática. A práxis só é possível por meio da relação entre nossa reflexão crítica sobre a prática e a conversão em ações mais conscientes e renovadas. A isso temos a máxima Freireana de compor um círculo virtuoso de prática – teoria – prática ou ação – reflexão.

Cristhiane Amâncio é pesquisadora da Embrapa Pantanal, mestre em educação ambiental e doutoranda em ciências sociais com ênfase em desenvolvimento rural pelo CPDA/UFRRJ.
[email protected]

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