quarta-feira, 24/abril/2024
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Castelo de Sangue

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Lágrimas caem sob o papel.

É duríssimo escrever falando sobre uma tragédia que envolve um ente querido nosso. Um homem acima de tudo correto e trabalhador.
Há! Como esse irmão trabalhava!! Não tinha hora, nem dia, nem noite que o impedisse de ir atrás de seu pão de cada dia. Mas a crise na agricultura o obrigou a deixar esta atividade e buscar ganhar o seu sustento e o da sua família em outra área, lutando a duras penas, conseguiu comprar um caminhão novo e com ele vinha conseguindo se manter, pagar seus compromissos e dar seqüência em sua vida.

Porém no meio do caminho, tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho. Como dizia o poeta.

Uma crise sobrevém a outra. Falta trabalho. A angústia de um homem honesto é grande, quando não consegue saldar seus compromissos com o suor do seu trabalho.
O sonho de quitar seu caminhão começa e se tornar um pesadelo, prestações atrasadas, vergonha, humilhação, tristeza, ansiedade.

Ele luta tentando ainda remar contra a corrente, contra a avalanche de dificuldades que surgem em função da crise econômica. Mas em Sinop não há trabalho que permita acertar suas prestações atrasadas. Alguém lhe fala de um lugarejo chamado “ Castelo dos Sonhos” no Pará , diz que lá tem muito serviço para seu caminhão, então ele parte levando no bolso uma carteira quase vazia, seus documentos e o retrato de suas duas filhas, seu maior orgulho, a quem ele a sua maneira amava profundamente.

Em Castelo dos Sonhos ele encontra trabalho. Parece realmente um sonho, em poucos dias ele manda dinheiro para pagar duas prestações. Quase não dormia, quase não comia, seu negocio era trabalhar 18, 20 horas por dia.

De vez em quando ele ligava para a família em Sinop, falava da esperança do futuro. “Estava feliz, pois estava trabalhando”, só faltava uma prestação para ficar em dia com o pagamento do seu caminhão. Ele já estava com o dinheiro guardado para quitá-la quando tivesse tempo de ir na cidade mais próxima, pois em Castelo dos Sonhos não tem agência bancária. Neste ínterim surge uma proposta para que fizesse um frete de uma máquina de esteiras. O valor é acertado, quem o contrata segue com ele na cabine do caminhão. É a ultima vez que ele é visto com vida, pois inocentemente ele iniciava uma viagem sem volta. Fizera sem o saber, um “ contrato de trabalho com a morte” , com a SUA morte.

Agora retido aqui em Novo Progresso pelas questões burocráticas da polícia, reflito sobre a vida, após termos descoberto toda a quadrilha, localizado o caminhão e encontrado o corpo, ou o que restou dele, jogado a beira de uma estrada na floresta, carcomido pelos animais da mata.

Fora executado a queima roupa com um tiro na nuca, forma estúpida de se morrer, depois de 41 anos de vida dos quais, cerca de 30 anos trabalhando como um louco, para chegar onde chegou.

Lágrimas caem sobre o papel.

A dor da perda, a saudade, a indignação frente a morosidade dos tramites burocráticos me impedem de dar seqüência ao motivo que me trouxe até estes confins, ou seja, encontrar meu irmão, achar os culpados, denunciá-los a policia. Isto eu já fiz. Agora é confiar no trabalho da equipe do Dr. Casemiro Beltrão, que está empenhado na prisão dos culpados, e aguardar que a “Justiça” os mantenha presos de acordo com o código da Lei.

Castelo do Sonhos para nossa família, para meus pais, meus irmãos e amigos da vítima se tornou “Castelo da Morte”. Para meu saudoso e querido irmão, que com certeza nesta hora recupera-se do desencarne em algum recanto da espiritualidade maior, foi Castelo do Sonho. Sonho de poder trabalhar, produzir, ganhar o pão de cada dia e viver com dignidade dentro da sociedade. Pena que tenha, no final, se transformado para ele em “Castelo de Sangue”, seu próprio sangue. Sangue que encharcou a terra ressequida, terra que ele tanto amava cultivar como agricultor nato que foi.

Que Deus Ilumine seu espírito meu irmãozinho Cleuber Marques Arantes.
Fique tranqüilo, cuidarei de suas filhas, e lembre-se de que a Justiça Divina alcançará cada um dos envolvidos, a seu tempo.

Lágrimas caem sobre o papel, enquanto faço uma prece a Deus por seu espírito.
Descanse em Paz !

Clayton Marques Arantes é agricultor e reside em Sinop

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