quinta-feira, 25/abril/2024
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O Airbus nosso de cada dia

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A queda do avião da AirFrance mobilizou até o Papa, que fez orações pelos passageiros e tripulantes e mandou mensagens de conforto para a França. O Presidente Sarkozy e Carla Bruni demonstraram a dor do governo da França, país sede da empresa estatal proprietária do avião e sede do consórcio construtor do Airbus. O Presidente Lula igualmente se manifestou, rezou-se uma missa na Candelária; na capital, houve homenagens a um dos passageiros ilustres, o maestro Sílvio Barbatto, que fora regente da Sinfônica do Teatro Nacional. O tamanho da tragédia – 228 pessoas estavam a bordo – emocionou o mundo e provocou dor em 32 países, origem de passageiros e tripulantes. E nada mais justo, antes do 4 a 0, que as seleções do Uruguai e do Brasil fizessem 1 minuto de silêncio no Estádio Centenário.

Deveríamos fazer 1 minuto de silêncio a cada partida de futebol disputada no Brasil, para lembrar os mortos do dia. A cada dia, no nosso país que chamávamos de pacífico, são mortos em assassinatos e no trânsito, bem mais que os 228 que viajavam no vôo 447. Se são 50 mil homicídios por ano, a média diária de assassinatos é de 137. Se são 80 mil mortos por ano no trânsito – aí adicionadas às estatísticas oficiais as estradas municipais, vicinais e as cidades do interior, mais os mortos até 90 dias após o acidente – então são 219 mortos ao dia. Somados, são 356 mortos por dia, a cada dia do ano. É mais que um airbus 330 caindo por dia.

Por que isso não nos escandaliza? Não nos mobiliza? Não provoca reação do Papa, de Lula, da seleção brasileira, da Câmara e do Senado, dos governadores e prefeitos, de todos nós? Que diferença existe entre as vítimas que estão acima das nuvens e as que estão sobre a terra? São mais de 300 brasileiros mortos todos os dias, sem estarem indo para Paris. São mais de 300 famílias atingidas a cada dia por uma tragédia. São mais de 300 causas de violência a respeito das quais não mergulhamos em busca das caixas pretas que revelem motivos.
   
Depois de recolherem os cadáveres do vôo 447, as buscas vão procurar as caixas pretas, para investigar as causas do acidente e estabelecer mudanças para que as causas não se repitam. Entre os brasileiros que não estavam indo para Paris e encontram a morte a cada dia, depois de chorados e enterrados os corpos, abandonamos as buscas das causas de tanta violência nas ruas brasileiras. Não procuramos saber o que motivou as mãos que mataram, quer segurando uma arma ou um volante. Corremos o sério risco de banalizarmos essa matança diária; de ela se tornar natural. É por isso que um acidente aéreo mexe tanto com os meios de informação, as autoridades, as pessoas: porque não são rotina, não foram banalizados. Se permitirmos a banalização das nossas quotidianas mortes violentas por nossa falta de reação, acabaremos todos condicionados a aceitar nossa tragédia diária, a queda do nosso airbus de cada dia.

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