sexta-feira, 29/março/2024
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As Janes daqui

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No jornal daquele dia, o goleiro Bruno recém havia sido libertado, sem pagar a pena de 22 anos pela morte e ocultação do cadáver de sua namorada (esquartejada e dada para os cachorros) e um assaltante com faca havia estuprado uma jovem numa parada de ônibus em plena capital do país, diante da universidade, enquanto, também aqui, um jovem de 22  havia degolado a ex-namorada de 18 anos. Aí recebi, no noticiário digital, o assunto daquele dia: Jane Fonda, a Barbarella que me encantara na juventude, numa entrevista revelava que havia sido estuprada quando menina, isto é, na primeira metade do século passado, nos Estados Unidos. Na autobiografia de 2005 Minha Vida Até Agora isso não aparecia. Em 2014 contara o estupro da mãe dela, aos oito anos. Agora ocupávamos com o dela, há 70 anos, em outro país. A violência contra a mulher aqui, na nossa cara, e nós, nas redes sociais, com a cabeça em Hollywood, em outro hemisfério, em outro século. Aí, perdi a paciência e postei: “E eu com isso?”, na notícia de Jane Fonda.

Não encontrei naquele dia a entrevista da Fonda nos jornais, rádio, TV; só nas redes sociais. Só saiu em revista do fim-de-semana. Quer dizer, os editores dos grandes veículos devem ter pensado “e nós com isso? Temos tanto disso por aqui, cerca de 100 mil estupros por ano, boa parte sem registro policial.” Pois foi o que pensei e escrevi. Os que não entenderam, ficaram furiosos. Entre civilizados discordantes, usam-se argumentos, substantivos. Mas a maioria usou adjetivos e interjeições. Uma colega de televisão chamou-me a atenção com substantivos e percebi que estava sendo incompreendido. Então expliquei, em tweet seguinte, em 140 caracteres: “Uma brasileira é estuprada a cada 11 minutos e não reagimos nem nos escandalizamos. Mas nos preocupamos com a americana, há 70 anos. Colônia.”

Os dois tweets tiveram, até a manhã dessa terça-feira, cerca de 700 mil visualizações. Desses, apareceram uns 4 mil comentários eivados de intolerância, censura, inquisição. Não admitem a liberdade de opinião. Marxistas e nazistas fizeram isso. Sem argumento, tratam de desqualificar o autor de uma opinião. Ameaçam. Eu deveria morrer, pediram minha demissão. Falaram até em estuprar a minha mãe – que vai para os 99 anos. Ditadores, impõem: “Você não pode dizer isso. Vai ser punido com a destituição, com a vida, com apedrejamento.” Vem tudo misturado com a fé ideológica. Jane Fonda, artista premiada,  é militante esquerdista, destaque da  contracultura, feminista, antibelicista, ambientalista, defensora de  direitos humanos, índios, palestinos e até de revolucionários – “revolução é um ato de amor”, dissera sobre os  Panteras Negras.  Na entrevista recente, para People, Fonda aconselha as vítimas de estupro a não se sentirem culpadas e não pensarem que foi por “dizer não da maneira errada”.

E já que entramos no assunto através de uma entrevista de celebridade, sobre o que teria ocorrido na metade do século passado, aproveito para chamar a atenção, nesta Semana da Mulher, para o que acontece aqui, todos os dias, todas as horas e a cada 11 minutos.  As leis têm que endurecer  contra os estupradores, criminosos em série, psicopatas que só são realmente punidos pelos outros presos, quando são presos. O art. 213 do Código Penal dá uma peninha de seis a 10 anos. Aí entra na progressão e o psicopata sai em dois anos para cometer de novo. No Egito antigo, a pena era mutilação, na Roma antiga, morte ou castração. Não é isso que se quer – se não tiver acontecido com nossa irmã, nossa mãe, nossa namorada. E aqui, se a vítima tiver mais de 18 anos nem é crime hediondo. Por falta de lei mais dura,  continuam os estupros, à razão de seis por hora. Infelizmente, tem sido usual nos preocuparmos com a violência no exterior, em lugar de nos escandalizarmos com a nossa barbárie. Será uma fuga de nossas responsabilidades? O que interessa está aqui.

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